Palestra de encerramento da Festa da Capoeira 2013 por BENJAMIN FRANCISCO MUNIZ (Beijoca)
in memoriam Grão Mestre Camisa Roxa 

 “BAHIANO BOM DE BRIGA NÃO FOGE DA RAIA”  

Assim, era EDVALDO CARNEIRO E SILVA - O CAMISA ROXA. Sisudo, desconfiado (personificava as palavras do saudoso MESTRE BIMBA – O Capoeirista quando dorme, um dos olhos tem que estar sempre aberto, observando tudo a sua volta), homem de cumprir o prometido (honrava a palavra no fio do bigode), destemido, corajoso, enfim, uma pessoa de bem, um exímio capoeirista, que dignificava a classe e muito fez pela arte da capoeira ao redor do mundo.

 

 Conhecemo-nos na década de 60, na casa de BIRA (ACÓRDEON), em Brotas, onde nos reuníamos para jogar capoeira e projetar sonhos impossíveis para a época (divulgar e conquistar o mundo através da cultura afro-brasileira e da capoeira). Certo dia, lá apareceu com seu jeito desconfiado e com uma habilidade admirável de jogar capoeira: reunia a inteligência, a técnica, a força, a resistência, a rapidez, a plasticidade, a determinação e a coragem. Tinha o olhar de um guerreiro, de um  vencedor. Natural de Jacobina/Ba , não negava a origem, tratava-se de um SERTANEJO FORTE. O mais impressionante era, que, apesar de sua estatura mediana, os seus movimentos projetavam um corpo humano de dimensões bem maiores. O seu nome batizado por MESTRE BIMBA “CAMISA ROXA“  já era conhecido na roda da capoeira. Juntamente com  Bira e outros amigos capoeiristas e universitários  fundamos o GRUPO FOLCLÓRICO DA BAHIA.  Fizemos diversos shows e espetáculos em Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro, sendo o de maiores repercussões “VEM CAMARÁ  e  QUEM VEM LÁ ? VEM CAMARÁ 67 “,  os quais, vieram a ter uma contribuição expressiva junto a CAPOEIRA que ressurgia com vigor no Rio de Janeiro. 

 

Afastando-se Bira da atividade artística em  março/67 (felizmente por pouco tempo, pois, encontra-se por mais de trinta anos nos EEUU, fazendo um trabalho admirável pela capoeira com influencia em diversos países do mundo), criamos um novo grupo, conjuntamente com alguns amigos já integrantes do conjunto anterior: Gugu Muniz, Fernando Pallos, Josevaldo Lima de Jesus (Saci), Edmundo Dante (Cascavel), Onias Camardelli e Mãe Zefa (na época com 100 anos), que veio a se chamar OLODUM – Grupo Folclórico . Os sonhos de termos a música e a dança afro-brasileira e principalmente a capoeira como arte-luta universal começava a tomar forma e se iniciava um novo tempo, com os festivais internacionais. O Ministério das Relações Exteriores enxerga a relevância  da atividade cultural do Grupo e resolve apóia-lo em suas excursões aos Estados Unidos, Argentina (Salta e Buenos Aires), Equador, Peru e Guianas, conquistando, então, o mesmo, diversos prêmios.

 

Em 1972, com o coração partido, tive que me afastar da vida artística, no entanto, o  CAMISA ROXA  continuou com sua força indomável e o sonho de chegar a Europa com todo o trabalho até então desenvolvido. Conseguiu muito mais, ampliou os horizontes e também chegou a Ásia. Hoje, a cultura AFRO-BRASILEIRA e principalmente a CAPOEIRA, amplamente divulgada e amada no mundo inteiro, com seus valores reconhecidos,  muito devem a CAMISA ROXA. 

 

Ultimamente, o reencontrei aqui na Bahia e tive a grande satisfação de contar com a sua presença, conjuntamente com Fernando Pallos, Onias Camardelli e Josevaldo Lima de Jesus (Saci), todos amigos da época do OLODUM , em um show de  BEIJA & BANDA. Tivemos algumas conversas sobre Artes Cênicas, Shows na Europa e como trazer o seu espetáculo do BRASIL TROPICAL para apresentação em teatros brasileiros. Manifestou, também, um grande interesse em resgatarmos a importância histórica do GRUPO FOLCLÓRICO DA BAHIA e do OLODUM, para revelar suas vitórias e dificuldades, assim como, divulgar o seu grau de influência em todo o processo construtivo, que conduziu a cultura AFRO-BRASILEIRA e em especial a CAPOEIRA aos picos dos interesses nacionais e internacionais. O objetivo maior seria despertar nos jovens o estímulo em se acreditar nos  sonhos. 

 

MAIS UM VALOROSO AMIGO QUE SE VAI, FICA O CONFORTO –MORRE O HOMEM E SURGE A  LENDA - PRINCIPALMENTE, A CERTEZA DE QUE OS SONHOS,  MESMO  QUE  PAREÇAM IMPOSSÍVEIS DE SEREM CONCRETIZADOS, VALEM A PENA SEREM VIVIDOS , E, QUANDO REALIZADOS, OS SEUS BENEFÍCIOS TORNAM-SE MÚLTIPLOS, ADQUIRINDO UMA DIMENSÃO DE VALOR INCOMENSURÁVEL.

 

SAUDADES, DO AMIGO, 
FRANCISCO BENJAMIN MUNIZ                

-     BEIJOCA        -              Abril/ 2013